29 maio 2007

Um Rio chamado vida

Altivo corre por entre as pedras. Puro, singelo, incolor, num corrupio estonteante, desenhando nas curvas que faz, as ondas da vida. O seu sonho era passar duas vezes pelo mesmo caminho, para apagar os erros do passado mas, tal não era possível. Os erros cometidos, já não podiam ser lavados.

A força dessa vontade era tanta que de uma forma avassaladora, levou consigo os abrigos dos que nele cuspiram, conspurcaram, mudaram o seu rumo, criaram barreiras. A raiva fora tanta, que nem se apercebeu que no meio da devassidão criada, o justo também tinha pago. Aí, chorou pela sua falta de coerência e as suas lágrimas formaram pequenos ribeiros, que se afastaram de si, traçando eles próprios o seu rumo. Talvez se encontrem num mar qualquer.

Não conseguindo esquecer o passado, secou e por uns tempos ficou escondido. Vieram as rezas, as oferendas, as juras e debaixo da terra já em sulcos, ele ouvia-os. A notícia de que ele deixara de ter forças para correr propagou-se e como que por milagre, um pequeno fio desceu ao seu encontro, percorrendo-o levemente. Durante a passagem, apercebeu-se que ele tinha sido a última lágrima derramada. Aos poucos subiu à superfície e calmamente iniciou a sua caminhada. Desta vez, de uma forma calma e pacífica.

De vez em quando o rio volta ao seu interior para meditar e reconstruir se necessário for o seu rumo. Aceitou que por vezes, a solução não está em voltar atrás e que mesmo ele, por vezes, tem de contornar os obstáculos para atingir um objectivo.

21 maio 2007

"Uma história simples" (para os que me lêem)

Era uma “Noite” daquelas que apetece juntar os amigos e fazer uma grande tertúlia. Há muito que pensava nisso mas ainda não tinha arranjado tempo. Pegou na caneta e começou a fazer a lista daqueles que tornariam essa noite a mais rica de sua vida. Começou por escrever o “Mago dos Sonhos”, já há muito que não falavam. “Maria” estava entusiasmada, pois sabia que o próximo fim-de-semana, seria perfeito.

Percorreu os olhos pela parede da sala e lá estavam pendurados todos aqueles que em “Silêncio”, eram testemunhas da sua luta e todos tinham algo em comum, eram a obra prima do "Philstudio". O seu pensamento foi interrompido pelo vizinho de cima o “Amaral” que “sempre acreditou no amor”. Escreveu numa folha o recado que tinha para lhe dar e este dizia: “a.s” já tem o “poliedro” que encomendaste.

Abriu a janela e olhou para o vale coberto de “Miosótis” e por “Momentos”, respirou aquele ar que lhe lembrava “O Cheiro da Ilha” e “Sonhadora” disse para si: “Esta é a minha casa”. Um pouco mais abaixo viu sair o “Vladimir da Lapa” que parou mesmo em frente da loja de “José O Falso Poeta” (assim se denominava), provavelmente estava a olhar para o livro que estava na montra, o título era sugestivo, chamava-se “Taradisse” . O autor chamava-se "Brain" era a história de uma “Moura ao Luar”. Antes de fechar a janela viu que a pitangueira da "Casa de Maio" estava carregada, e disse para si:

- Se a “Menina do Rio” por ali passasse diria que “Pitanga Doce...”.


Fechou a janela, o “Silêncio” era tal que ouvia os “Impulsos” do relógio de parede e nem “De-Propósito”, voltou à lista e acrescentou, “Vladimir”, “Isabel” e “Késia Maximiniano”. Enquanto revia os nomes, não fosse o diabo tecê-las e faltar alguém, ligou a tv pois queria ver a reposição de “Sandokan”. Na mesa ao lado ainda repousa aberto na pag. 74 "O Alquimista", tinha de ler mais umas linhas hoje.

Mais feliz do que nunca, reparou que iria juntar um naipe fabuloso em sua casa. Talvez houvesse tempo para se falar um pouco da "Chama Violeta" . Ah! importante ligar ao "Pedro", pedir que traga a viola e que não se esqueça da letra "Das palavras que nos unem". O mote seria “Verdades” de um blog “Mas baseado em quê?“ escrevinhou, pedir ao “Filipe” para trazer aquele vinho.

Voltou à janela, sentou-se naquele largo parapeito e com "um olhar indiscreto", apreciou aquele luar imenso, num tamanho céu "Azul". De longe quem a visse teria a imagem do quadro de "Ana Luar", feliz, olhou para o céu e proferiu:

- Como é bom "lê-los" a todos.

17 maio 2007

Amanhã Vivemos


Soluçou baixinho para que ninguém ouvisse depois, ora compulsivamente, sofregamente e sem que nada pudesse prever, uma mão pousou suavemente, abafando o soluço que de uma forma obstinada, teimava em sair.

Sentiu o seu respirar ténue, subindo levemente, como uma simples brisa e por fim o "shiuuuu".

Não conseguia parar de tremer e de olhos fechados, revivia o roçar intenso de seus corpos suados, emanando o cheiro característico de quem ama.

"Shiuuuu", ouviu de novo. Desta vez soluçou baixinho, sem deixar de sentir que algo percorria o seu corpo. Gota a gota, uma lágrima caia juntando a outras tantas de suor, cada uma percorrendo o seu caminho, indo desaguar num mar de prazer nenhuma fugindo ao seu destino final.

Gemidos contidos, mãos entrelaçadas puxando para si uma amálgama de sentimentos frenéticos, lençóis em desalinho, bocas que teimavam em tocar-se substituindo cada palavra pensada e pronta a ser proferida, pela cor de um beijo.

De novo a convulsão, desta vez em uníssono, "shiuuuu",desta vez seguido de um longo olhar e foi nesse instante, que no dela leu o medo da partida, a dor de tanto amar, o ódio de mais uma despedida, o sonho a dois desfeito, as conversas mal resolvidas, os encontros e desencontros da vida, o prazer de todos os prazeres.

Sem reservas repetiu a palavra que mais ouvira "shiuuuu", hoje escrevemos a primeira quadra do nosso poema, temos o resto da vida para acaba-lo".

Ela aconchegou-se, deixou sair um suspiro e disse "hoje por cada lágrima caída, lavei a tua partida, esqueci a dor sentida. Por cada gota suada comemorei a minha espera e o teu prazer em mim. Sei quem sou, quem és e o nosso poema, foi escrito na volta do tempo, esta quadra é a memória do hoje. Amanhã, amanhã vivemos".

15 maio 2007

Ausência


Se a ausência falasse, diria que as estrelas perdem o seu brilho sem ti
Que o luar escuresse assim como os meus olhos, quando te vejo partir
E que o sol, por mais que brilhe, não aquece o meu sentir
mas a ausência não fala, faz-me somente pensar no que sou, sem ti

É recente, essa amizade com a ausência
Conhecia quando a porta se fechou, para dar lugar ao vazio
reconhecia quando se abriu e nao eras tu, mas um arrepio
profundamente sentido, quando disse que a sua graça era, ausência

Mas que graça essa, que sem graça, ensina a desamar?
Não pode ser uma graça bem-vinda, quando nos deixa sem ar
E de noite nos gela o leito, seca-nos a lágrima antes de chorar
Só para lembrar, a importância de assim se chamar

Mas a ausência não fala, faz-nos somente sentir a sua presença
Para lembrar que esse sentir, pode ser a saudade de quem volta,
Como a partida de quem outrora, prometeu uma reviravolta
Nesse arrepio sentido no abrir da porta, anulando, a sentida sentença.

Se a ausência falasse, diria que escreve-la, não é enaltece-la
É reconhece-la, remete-la sem endereço nem código postal
Esquecendo assim esta morada, para que a tua volta seja natural
O bater da porta, um sinal que não voltarei a senti-la

Hoje escrevo à ausência esquecida, ontem sentida. Amanha, não sei. Talvez sorria com tua ausência, por ser somente uma falta de comparência e meu leito, ontem gelado, embora vazio, mantê-lo-ei aquecido com a lembrança da tua breve passagem, hoje presente e profundamente sentida.

No futuro, acharei graça quando lhe perguntar a graça e nesse momento pelo meu riso, saberá (a ausência) que foi uma amizade passageira, vivida, sentida e hoje esquecida.

05 maio 2007

O Poeta


Vagueias à procura da rima perfeita, para lhe seres fiel
a mágoa que tens contida em ti, transforma-se em ideia
e letra após letra, vais deixando a tua marca nesse pedaço de papel
numa luta constante contra o eufemismo que te incendeia

Quem és tu que escreves a dor, a mágoa, as paixões
Quem és tu que choras o desamor e te apaixonas pela atracção
Quem és tu que abalroas as convicções, sem pavor das retaliações
Quem és tu, que mesmo sabendo, deixas-te levar pelas emoções

És a voz de um colectivo revoltado, a alma de um povo resignado
sem quereres és Pessoa, és Bocage, és letrado e iletrado
buscas a força numa quadra, onde choras por seres mal amado
culpas a raiva pela dor que sentes, por cada vez que és maltratado

Porque escreves ao tempo, quando não encontras o teu pequeno canto
Porque transformas a insónia num poema e este, na tua sorte
Porque da ode fazes o teu canto e do teu canto, o teu pranto
Porque fazes da vida uma luta constante e do outro, o teu norte

Ó alma agitada, acalma o teu peito num regaço e escreve esse feito
Fecha os olhos, ama-te à lua, faz das estrela a tua cama, o teu manto
Ó alma que buscas o perfeito, escreve de uma vez o imperfeito
engana essa dormência, bebe a Baco, liberta-te, não exijas tanto

Viaja no teu Eu masculino e feminino sê importuno
esquece a desdita, bajula a tua felicidade, desafia a veleidade
Serás sempre o poeta, dos enfermos, raivosos, do pecador soturno
E serás enaltecido, por teres vivido num pedaço de papel sem vaidade

És assim, despido de preconceito, um pecador confessando-se no que escreve, moral ou imoral sem afeição a um só conceito e com toda a tua arte, resumes a dor e o amor numa frase, mesmo que breve.