
Estava instalada a confusão naquele canto tão bem arrumadinho a que todos chamavam de coração. Nunca tal se tinha visto. Aquele que batia forte e que em estado de euforia cantava a sete ventos, estava agora de monco caído, taciturno a tal ponto que mal se ouvia o seu bater.
Já não falava às rosas e as orquídeas que em certas ocasiões tinham bastante saída, estavam guardadas a um canto à espera que uma gota lhes alimentasse a sede. O riso e o sorriso cochichavam entre si, a gargalhada mal falava e o suspiro passou a ser o rei da melancolia.
O assombro era geral. Ninguém percebia como é que a Atracção se apaixonou pela Paixão e esta se enamorou pelo Amor, sem que este nada fizesse para que isso acontecesse.
Pensativo andava o Amor tentando deslindar tudo isto pois, quieto que estava no seu canto, jamais pensou, que de tamanha quietude, pudesse resultar por parte da outra, um sentimento tão forte. Foi durante este processo que concluiu que nada tinha feito. Não tinha dado o primeiro passo, nem empurrado, nem sequer estado presente. Portanto, o enamoramento da paixão por si, foi uma obra unilateral.
Como pôde então a Paixão, alimentar tamanho sentimento estando o Amor ausente?
Sentada no seu canto, ria-se a Atracção enquanto dizia para o Enamoramento:
- Morto está o Amor de tanto pensar, que se esqueceu que as memórias da amizade, alimentaram a Paixão, a ponto de colmatar a ausência.
-Naaaaaaa!!!!!! (retorquiu o Enamoramento), ele esteve presente, mas é perito na arte do esquecimento. Ainda ontem falava eu com a Amizade e ela foi clara no que disse, “tudo começou comigo, na altura preocupei-me em dar-lhes a base para algo duradoiro. Pensei que isso era o necessário. Sempre achei que ela (a Paixão) não evoluiria mais. Enganei-me.”
- Hum... (exclamou a Atracção pensativa), enganou-se e bem. Tudo evolui. A Paixão não se apercebeu mas durante a sua amizade por mim, conheceu-te e agora que ninguém nos oiça, ela nas noites difíceis de tudo, teve sempre a Amizade a seu lado. Posso então concluir que, foi mais ou menos entre a Solidão, o Choro e o Riso que a luz se acendeu.
O Amor só soube depois. Coitado, foi apanhado tão de surpresa que não sabe o que fazer. Não sei porquê, mas algo me diz que ainda vamos ser culpados de tudo isto. Nunca percebi porque temos de estar metidos nestas alhadas.
- Chiuuuuuu, cala-te que ela aí vem. Não olhes, está com má cara. Ontem deve ter sido uma daquelas noites de clinex e pelo andar da menina, foi uma rave e peras.
Completamente extenuada, a Paixão sentou-se perante ambos e antes de ser bombardeada com perguntas disse:
- Falamos. Melhor, falei eu e ele ouviu calado. Expliquei que aconteceu, que nenhum de nós nem de Vocês teve culpa, que mesmo ausente, sentia a sua presença em cada canto, que fui às gavetas da Amizade (sem ela saber) e de lá retirei tudo o que precisava para matar a Saudade e que, nos poucos momentos em que Ele esteve presente, fui inconscientemente arrumando a casa. Pedi-lhe que nada fizesse, que continuasse a ser o mesmo, pois foi assim que o conheci.
Quase em coro a Atracção e o Enamoramento perguntaram: "vais devolver a Amizade???"
- Não, ambos concordamos que isso é a base de tudo, ela poderá ficar um pouco sensível mas teremos cuidado para não a melindrar.
- Hum...vocês conheceram-se há pouco tempo. Daqui por uns tempos, quando Ele para além da amiga vir a mulher eu visito-o novamente (disse a Atracção).
- Tchiiiiii, não te ponhas com visitas longas. Dá espaço, muito espaço que eu também lá quero ir molhar o bico (finalizou o Enamoramento).
- Deixem andar, não se metam em alhadas, eu cá me arranjo.